Meu ingresso na atividade comercial se deu de uma forma interessante. Eu cursava, em 1954, o colegial e um belo dia eu falei: “não vou estudar mais, não quero mais saber de escola”.  Meu pai perguntou o que você vai fazer agora.” Vai ficar zanzando?”. Como me dispus a qualquer coisa, ele se prontificou a ceder uma pequena área de sua Alfaiataria Ambrosio, na rua Monsenhor Soares, para que eu pudesse negociar. Então, comecei vendendo camisa, gravata, meia e lenço, numa pequena área de três por três.

Depois de um ano, vagou um dos três salões de propriedade de meu pai, o do meio, que ele acabou me cedendo já que tinha jeito para a coisa e os meus negócios estavam crescendo. Então mudei e, no dia cinco de fevereiro de mil novecentos e cinqüenta e cinco, constitui uma firma jurídica denominada Camisaria Ambrósio.

Foi nesse novo local que expandi o ramo de camisas esporte e social, calças, gravatas, meias e lenços. Logo depois abri uma seção de malas. Essa é outra história interessante.  Numa viagem para Curitiba estive em uma fabrica de malas, a IKA, e achei uma coisa espetacular. Eles tinham um modelo de mala, tão resistente que eu, naquela época com os meus 130 quilos, subia em cima da mala para demonstrar que era artigo de primeiríssima resistência, qualidade e beleza. Comecei vender aquilo que nem água, pois os clientes viam que eu subia em cima da mala e ela não estragava.  

Com essa e outras estratégias de Marketing os negócios foram expandindo. Foi nessa época que houve uma mudança muito grande na Loja. Anexei o grande salão ao lado, que era alugado e vendia móveis, e passei a ter mais de 300 metros quadrados. Com uma reforma, na parte superior montei o meu escritório e na parte nova reformulei as vitrines e coloquei a ultima secção que não tinha: a de calçados.  Passei a ir constantemente a Franca onde fiz grandes amigos, tanto o pessoal da Samelo como da Decolores. Sou inclusive padrinho de casamento de um grande vendedor de lá, o Jorginho. Ele se tornou muito meu amigo e quando de seu casamento, veio até Itapetininga para fazer o convite.

Ainda nesse período de bons negócios, tinha uma secção de terno, cujos produtos já estavam próximos de uma mudança de moda. Então separei uns cento e poucos e decidi fazer uma promoção. Mas eu queria uma oferta maluca. Comprei em uma relojoaria de atacado, em São Paulo, uns cinqüenta relógios e empacotei bem empacotadinho e os coloquei dentro do bolso interno do terno.  Mas não havia relógios para todos os ternos. Então coloquei nesses um peso do tamanho mais ou menos igual ao do relógio. Estendi uma faixa fora e outra dentro anunciando: Se você tiver sorte, compre um terno e ganhe um relógio. O cidadão chegava, experimentava o terno e punha a mão no bolso. Assim que sentia qualquer coisa, lembrava do relógio. Aí era aquela pressa.  O terno tá bom, não precisa fazer nada, a calça minha mulher encurta e aqui dá uma apertadinha.  Ele queria comprar logo e sair para ver o relógio. Mas só metade tinha o prêmio. Muita gente saiu e voltou dando risada. Você é um embrulhão afirmavam, mas que é uma beleza isso ai, é. Essa foi uma das promoções que mais apreciei.

Mas essas brincadeiras não eram o forte da Loja. Sua característica era a qualidade dos produtos. Sempre tive em mente isso: ou você vende qualidade ou não vende.  Eu gostava muito de ler, e ainda leio, o livro Minha Obra e Minha Vida de Henry Ford.  Esse livro é de 1920 ou 1930, mas algumas de suas passagens valem até hoje. Saliento aquela que dizia que o importante não é a primeira venda, mas a segunda, a terceira, a quarta... e isso você consegue vendendo artigos de primeiríssima qualidade. Às vezes comprava uma camisa cujo tecido eu desconhecia, mas se começasse a dar problema, desbotar, descorar ou rasgar, recolhia tudo e mandava para a fábrica.

Com qualidade e clientes, cheguei a ter sete vendedores, sendo que quem tomava conta sozinha do Crediário e do Caixa era uma mulher de grande capacidade. Seu nome era Sara. Os seis vendedores trabalhavam com todos os artigos. Tudo novidade. Mas o que mais chamou a atenção foi o trabalho comissionado. Introduzi esse princípio também baseado em Ford.  Então meus vendedores se transformaram em verdadeiras feras, pois alem dos produtos procurados viviam a oferecer outros destacando sua beleza e qualidade. Tudo pelo percentual que tinham direito. Entre os funcionários destaco o Quirino, o melhor dos meus vendedores.  Quanto aos clientes lembro da grande freguesia na Colônia Japonesa. Ela foi sempre o meu sustentáculo na secção de calçados. Aqueles japoneses, nisseis ou sansseis trabalhavam ferozmente. Muitos deles iam à loja ainda empoeirados do campo, mas só compravam sapatos de cromo alemão, que naquela época era uma fortuna. Nem perguntavam o preço e quase sempre saiam com duas botinhas de cromo alemão, além do sapato procurado.

Como comerciante sempre entendi a necessidade de uma união da categoria. Por isso foi presidente da Associação Comercial durante sete anos. Mas antes disso, tivemos a idéia de montar um serviço de proteção ao crédito. Naquela ocasião, o Thibes, eu e outros comerciantes resolvemos montar, particularmente, esse serviço, que se chamava SUC, que passou a funcionar muito bem.  Daí, resolvemos estender isso para a Associação Comercial. Houve uma certa resistência. Decidimos nos candidatar.  Procuramos outros comerciantes, nos filiamos e fomos para as eleições. Ganhamos por cinqüenta a vinte e três. Daí instalamos o SPC na Associação.

Hoje, aposentado falo com saudades do comércio. Não devemos nos esquecer que o comercio é antes de tudo um meio de vida, mas é necessário encará-lo com profissionalismo. A história dos comerciantes antigos, como meu pai há quarenta cinqüenta anos atrás é uma, hoje é outra. Não dá para entender frases como “imagine que eu vou fazer isso; meu pai nunca fez isso e venceu na vida”. Só que hoje ele tem problemas e não venceu.  

Depoimento de

 Epaminondas Ambrósio

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